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Um mundo novo vai surgir


Madame Roulin. Pintura de Paul Gauguin, 1888

DIÁRIO DA QUARENTENA

No começo da manhã alguém enfiou um papel por debaixo da porta. Um bilhete. “Olá, sou sua vizinha do 101. Sou enfermeira. Se você tiver alguma dúvida ou precisar de ajuda, este é o meu número....” Felizmente, a solidariedade e o calor humano escapam ilesos dessas contas de custo-benefício que os governantes fazem pela TV. Para eles, somos apenas números e custos. Mas, ainda temos as vizinhas do 101. Nós todos podemos contar com elas. É só observar e esperar que elas aparecem, com gestos infinitamente bons, na hora mais urgente. É só isso o que nos salva.

Atleta contundido Ontem eu senti dores nas costas. Resolvido com banho frio e uma xícara de chá. Acredito que tenham sido os exercícios na véspera, sem um relaxamento adequado. Por isso busquei na internet alguns sites com dicas de ginásticas. Tem muita coisa boa ali. Para suavizar o tempo quente, resolvi almoçar leve. Uma salada, arroz, bife de frango e uma lata de cerveja super gelada. Música na cabeça Passei o dia inteiro com a voz de Luiz Gonzaga cantando na minha radiola mental: “eu plantei meu milho todo no dia de São José / Se me ajuda a providência, vamos ter milho à grané”. Você também essa vitrola mental? O tempo inteiro tocando a mesma música. Iniciou quando acordei, o rádio na cabeceira lembrava a data. Feriado em muitas cidades do Nordeste, que têm o São José como padroeiro. Espero que nesse ano as missas tenham ocorrido. Com muita chuva para semear. Leitura para relaxar Depois do almoço, uma soneca, e algumas páginas d`A Peste, obra do escritor argelino Albert Camus. Livro lido na juventude e, agora, soube que voltou a ser muito procurado no mundo inteiro. Um romance simbólico para esses dias. As pessoas tentam entender o que está ocorrendo. E conferir se há exemplos de comportamento a serem seguidos, nessa nova epidemia. Mas A Peste é, acima de tudo, uma reflexão humanista sobre os comportamentos de uma sociedade sem direitos. Publicado pela primeira vez em 1947, tempos de guerra, é uma alegoria da luta dos europeus contra o nazismo. É tarde Tarde longa, clara, ventos intensos, céu quase sem nuvem. As ruas lá embaixo estavam vazias. O dia passava quieto e silente, observando os homens e suas maluquices. Duas mocinhas caminhavam na calçada, com livros e cadernos, órfãs da escola e dos colegas. E eu fiquei aflito por elas e por todos os jovens que recebem esse terrível golpe na idade mais exigente da liberdade de ir e vir. Adolescência para sempre marcada por esses dias confusos. Fala-se que os idosos merecem muita atenção. É certo. Mas, e os jovens e as crianças? Eles são o amanhã desse planeta, do mundo diferente que surgirá. Novo mundo O mundo será outro, depois do coronavírus. Tenho pensado nisso, nas inevitáveis transformações que a epidemia trará. Para onde vamos? As mudanças do pós-guerra poderão parecer banais, quando pensarmos no que virá no pós-coronavírus. Que possamos mudar para melhor. Boa noite! Em meio às divagações nada “filosóficas”, a noite caiu de repente, com a sua imensidão acolhedora e decidida. Com ela, não há meio termo. O véu escuro repousa sobre as casas, os homens, as árvores e, então, todos passamos a falar mais baixo, a considerar a perspectiva de um novo dia e a fazer um balanço de tudo o que ficou para trás. Essa noite de quinta-feira trouxe um vento suave, frio e calmo. Um reconforto e acalento. Mais uma vez, a natureza caridosa querendo nos poupar de sacrifícios insanos. Um vento hospitaleiro que nos oferta descanso e conforto - mas há esse sono confuso e relutante, que nunca se deixa alcançar por completo. Tenha uma ótima sexta-feira.

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