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Em busca da beleza


Noite adentro, pintura de Pino Daeni, 2004

DIÁRIO DA QUARENTENA

E foi-se mais um dia. Um mês, na verdade. Um dia que passou de repente, essa terça-feira chata, nublada, de silêncios traiçoeiros. Evite qualquer sintoma de depressão doentia, digo para mim mesmo. Mas, não tem jeito. Ontem já acordei azedo. Sem vontade de pôr sequer uma letra no papel. Cafés, águas, notícias, rádios, fotografias antigas. Passei o dia assim, sem rumo ou concentração. Apenas tateando aqui e ali, para ver se o tempo passava.

No meio da tarde, tentei pensar como eu poderia ajudar os outros de alguma maneira, diretamente de casa. Teleapoio. A primeira ideia foi ligar para quem eu imagino que esteja solitária, precisando de um ombro. E liguei para uma amiga das antigas, que mora sozinha. Telefonei para lhe dar uma força, levantar a sua moral, mas ela estava tão bem-humorada que eu acabei sendo o ajudado. Acabei fazendo uma tele autoajuda.

Depois, iniciei a faxina diária. E bebi duas cervejas. E percebi que estou criando novos hobbies, novas manias. Fora a escrita de sempre, ouço mais música, faço mais limpezas no ambiente, telefono para as amigas com mais frequência.

Isso me leva a pensar que esses hábitos que se tornam mais frequentes, poderão depois se transformar em necessidades cotidianas. Criamos hábitos no isolamento que podem ser difíceis de largar depois. Por isso, é preciso ter cuidado com o álcool e outras coisas que, no excesso, fazem mal. Tudo demais é veneno, ensinava vovó.

Ouvi de uma moça que o mundo agora deverá se preocupar mais com questões ambientais e sociais. Será uma imposição das mudanças trazidas pela pandemia. Que Deus a ouça. O planeta terra está precisando mesmo de uma mudança de rumo. Os homens em sociedade não estão sabendo cuidar da natureza, nem dos seus semelhantes. Chega de desmatamento, pobreza, violência, ignorância, agressão contra os homens, os animais e o meio ambiente.

As chamadas no WhatsApp se multiplicam. Com os amigos, trocamos as piadas do dia e opiniões entediadas sobre a pandemia ou sobre filmes e séries da Netflix. O papo com as “meninas” é sempre mais rico e bem-humorado. Sem detalhes. Depois chegam fotos, memes, gifs, vídeos, áudios. Não há memória que aguente essa carga. A faxina diária também chega à caixa de entrada do celular.

No final da tarde vem a angústia de não saber o que fazer. Hora da Ave Maria. As cigarras na varanda, um jazz na caixa de som, uma caipirinha e tudo certo.

Penso nas minhas amigas. Naquelas que não consigo ver sem me emocionar fortemente. Naquelas que sempre parecem saídas de um banho feito com as flores mais ternas e perfumadas da mãe natureza; naquela que eu desejaria encontrar, numa tarde alegre e inspirada, para que eu possa vislumbrar, em seu rosto pleno de beleza, a pureza clara de uma lua acesa sobre a mansidão do céu mais azul. E que eu possa mergulhar nesse oceano celeste, que ela, terna e pura, me oferecerá.

Pronto. Agora eu posso sossegar e me preparar para mais uma noite de solidão.

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