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Enfermeiras são heroínas na tormenta

Enfermeira, pintura de Israels Isaac, 1919

Diário da Quarentena

PERITAS EM HUMANIDADE

A foto da enfermeira é o que primeiro busco na parede de qualquer hospital ou posto de saúde. Há, naquela conhecida imagem, uma gravidade sutil: os dedos sobre os lábios pedem silêncio, e todos respeitamos o gesto de quem, vestida de branco-neve ou azul celeste, nos guia no caminho da vida saudável.

A enfermagem é, por sua própria natureza, merecedora de todos os nossos agradecimentos, frágeis criaturas de carne, ossos, veias e vísceras. E hoje, mais do nunca. Nesse mar de temores e incertezas em que nos metemos, a profissão é aplaudida em condomínios, tevês, redes sociais e casas de saúde. Mas é pouco. É muito pouco.

Se você está achando difícil ficar em casa agora, imagine como seria ser uma enfermeira ou enfermeiro, nesse terremoto da pandemia.

Enquanto o novo coronavírus varre o mundo, o pessoal da enfermagem está na linha de frente dessa luta. Enfrentam, além do vírus maldito, as deficiências do sistema de saúde, as negligências de chefes e governantes, falta de equipamentos de proteção individual, e por aí vai.

Com certeza, podem chegar a serem vítimas até do próprio ofício: sobrecarregados no atendimento ao paciente, simplesmente descuidariam da proteção pessoal. E já são inúmeros os relatos sobre contaminação entre o pessoal da saúde.

Mas elas e eles, enfermeiras e enfermeiros não baixam a guarda, como verdadeiros peritos em humanidade. Em frente à tela do computador ou no cara a cara com infectados, manobram com a destreza de malabaristas uma enxurrada de cateteres, bolsas, máscaras, luvas, bombas, ampolas, bandejas, fraldas, curativos, balões de oxigênio, maus humores dos médicos, relatórios, gráficos, jalecos, e fazem seu arriscado trabalho cotidiano, com seriedade e devoção, numa busca habilidosa pela cura.

Devemos agradecer-lhes, também, pela silenciosa discrição com nossos segredos. Mais do que os padres, que são testemunhas apenas das feridas no espírito de quem se ajoelha no confessionário, as enfermeiras sabem tudo da gente. Conhecem como ninguém a miséria brasileira, a pobreza, a ignorância e teimosia, o desleixo e a fraqueza desse tsunami de brasileiros que todos os dias entopem upas, emergências, urgências, clínicas, laboratórios, maternidades, santas casas e hospitais.

Fico a imaginar que, ao final de cada turno de trabalho, quando tiram o traje e vestem “roupas civis”, as enfermeiras devem sentir uma ligeira tontura, ou um friozinho na barriga, típico de quem acaba de sair de uma montanha russa, cotidiana e, mesmo assim, mortal.

Cicatrizes

Por esses dias, temos visto imagens de enfermeiras com marcas profundas na testa, nariz, pescoço e rosto, deixadas pelas máscaras apertadas e às vezes até cortes. É um retrato que simboliza o esforço que elas fazem agora, nessa pandemia. Mas, as profundas cicatrizes são rotineiras na vida delas, que convivem com as dores causadas, não apenas pela covid-19, mas, também, pelos vários tipos de câncer, doenças cardíacas, nascimentos prematuros e todas as dores que testemunham e lutam para aliviar. A dor das enfermeiras não sai no jornal, como diz o samba. E elas precisam aprender a suportá-la, faz parte do seu labor.

Adaptação

Também agora, os profissionais de saúde não têm a oportunidade de se abrigarem em casa, para se proteger contra o vírus. Sem falar nos riscos que correm dos outros tipos de doenças, inclusive depressão e demais sofrimentos psicológicos. Alguns estão se separando de suas famílias por semanas para evitar transmissão. Além da ansiedade de cuidar dos pacientes, precisam enfrentar a terrível falta de equipamento de proteção individual e se adaptarem rapidamente aos novos protocolos hospitalares. Muitos deles, improvisados no dia a dia. É o que temos escutado, aqui e acolá.

Por tudo isso e muito mais, nesse instante de agonia universal, todos os agradecimentos e homenagens do mundo, aos profissionais de saúde, nunca serão o bastante.

Humildemente, façamos apenas eco às vozes de quem defende mais respeito ao pessoal da saúde. Respeito e agradecimento, nessa hora trágica, é o mínimo que podemos fazer, para quem faz qualquer coisa que nos permita viver.

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