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Caridade no antigo Recife



Ainda hoje, qualquer morador do Recife pode dizer que “há uma Igreja Católica no meu bairro fazendo ação social e obras de caridade”.

Em pesquisa realizada no ano de 2018, a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) confirmou que a Igreja tem um verdadeiro exército do bem e da caridade. Naquele estudo, comprovou-se a existência de 21 pastorais sociais estruturadas nacionalmente e que, juntas às inúmeras obras sociais, chegaram à somatória de 499,9 milhões de atendimentos a cerca de 39,2 milhões de pessoas e aproximadamente 11,8 milhões de famílias por ano.

Essa tem sido uma tradição e práxis que se confunde com a própria História da Igreja.

Na nossa cidade, bem antes do Concílio Vaticano II e quando a Igreja andava de mãos dadas com o Estado, alguns religiosos se destacaram pela dedicação no trabalho para minorar o sofrimento humano. Vamos falar deles nas próximas semanas. Afinal, é tempo de cuidar, de solidariedade e de caridade, a virtude teologal pela qual amamos a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a nós mesmos por amor a Deus.

O fundador e a Companhia

A recente publicação sobre o Padre José Venâncio conta um pouco da sua trajetória naquela fase de cooperação íntima da Igreja com o poder e as elites econômicas e intelectuais católicas.

Foi neste período, em 14 de dezembro de 1919, que ele fundou uma de suas obras mais importantes: a Companhia de Caridade, que mantém-se viva e ativa há mais de um século.


Após inaugurar a sua primeira instituição, o Dispensário São Sebastião, o Padre observou que seria difícil administrar as escolas, abrigos, albergues, oficinas e todas as demais instituições de apoio que ele tinha em mente.

Lembrou-se que o São Vicente de Paulo (1581-1660) havia fundado, em 1620, a Confraria de Caridade dos Homens, para facilitar a administração das obras que implantou.

O que São Vicente fez em Folleville, na França, ele resolveu fazer no Recife, três séculos depois.

No dia 8 de dezembro de 1919 foi fundada a Companha de Caridade (e instalada no dia 14), com sede localizada à Rua de São Gonçalo, 109, no bairro da Boa Vista, e Estatutos aprovados pelo Arcebispo Dom Sebastião Leme. O seu primeiro Artigo dizia que era uma “Associação religiosa e de caridade, cujo fim é assistir corporal, moral e religiosamente aos pobres”.


O objetivo inicial da nova instituição foi criar uma rouparia ao lado do Dispensário; instalar escolas agrícola e de ofícios; uma escola de educação doméstica; um albergue noturno para os pobres que chegavam do “sertão”; e “uma casa para receber e dar ocupações aos infelizes sem trabalho e sem alimento”, nas palavras do Padre Venâncio, que foi muito além dessas metas primeiras.

Em editorial no dia 11 daquele mês, o Jornal do Recife saudou a inauguração lembrando que “o rico que não dá esmola, cedo ou tarde verá desmoronar-se a sua fortuna, não sendo abençoado”.

Recursos

Logo após constituída a Companhia, o governador Manoel Borba cumpriu a promessa de repassar definitivamente a escritura de doação do prédio localizado à Rua de São Gonçalo. Enquanto isso, o Padre Venâncio seguia a sua rotina de visitas diárias aos ricos da cidade para viabilizar as obras e doações aos que não tinham nada.

Ele sabia bater à porta das pessoas que tinham recursos e que nele confiavam. Nunca lhe faltaram os meios necessários para a manutenção de suas obras. E mais: o Padre Venâncio organizou um patrimônio imobiliário para a Companhia de Caridade garantir base econômica para as obras sociais, durante vários anos. Eram muitos os imóveis alugados pela Companhia de Caridade para garantir a continuidade de suas obras assistenciais.

A Companhia recebia também apoio de governos e políticos, lembrando que na década de 1930, o governo de Getúlio Vargas estabeleceu uma relação estreita com a Igreja Católica, apoiando sobretudo as suas atividades sociais e educacionais.


Albergue Pinto Alves

Um bom exemplo do modus operandi da Companhia de Caridade pode ser visto nessa matéria do Jornal do Recife de junho de 1921, exatos cem anos da data em que escrevo.

Diz a nota:


“No dia 12 do corrente será inaugurada mais uma instituição de caridade para dar pousada e alimento aos pobres de passagem na cidade e que terá o nome de Albergue Pinto Alves em homenagem ao seu generoso benfeitor, coronel Álvaro Pinto Alves, que deu a soma de cinquenta contos de reis (50:000$000) com que foram comprados os prédios que vão servir para esta obra, a qual será mantida e dirigida pela Companhia de Caridade.


O albergue funcionará, por enquanto, em prédio provisório, em frente ao Hospital Pedro II; a seção de mulheres, no pavimento térreo do edifício, em cujo primeiro andar está a Escola de Enfermeiros, e seção masculina no edifício adotado para este fim, no Largo dos Coelhos.

Enquanto se não puder adquirir um prédio para abrigo definitivo dos pobres, aqueles que se comportarem bem e necessitarem, poderão ser abrigados por mais de um dia. Logo, porém, que se puder recolher noutro lugar os necessitados, o albergue só poderá dar pousada e comida por um dia e uma noite, devendo os abrigados seguir viagem ou procurar cômodo noutra parte”.

A 8 de dezembro de 1970 o Abrigo da Velhice, funcionando até aquela data no prédio dos Coelhos, foi transferido para a Av. Afonso Olindense nº 1764, no bairro da Várzea (foto acima), onde está até hoje, com o nome do fundador: Centro Geriátrico Padre Venâncio.

Já na década de 1980 (após findar o pastoreio de Dom Hélder Câmara), a própria Companhia de Caridade instalou a sua sede neste casarão da Várzea.

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