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Cinco personagens de ônibus




O rapaz delicado, com sobrepeso, bermuda colorida e sandálias de dedo. Ele é meio zambeta e pinta os cabelos com cores vibrantes. Nele não encontramos nenhum traço de timidez, o mais remoto que seja. É uma presa que inverte o jogo, se é que me entendem. Agarra-se com as duas mãos no ferro perto da porta, e empina sua retaguarda, num ângulo estratégico que ocupa metade da entrada e parte do corredor, de modo a ser quase impossível não esbarrar nele. Olhos atentos, observando cada movimento ao redor, ele dá aquela empinadinha extra se o passante o agradar, mas, se não for o caso, recua o máximo que pode — ou que a barriga permitir.


A dona de casa no áudio do zap. Na ida ou na volta, ela sempre dá um jeito de ligar para alguém que ficou em casa e passa instruções culinárias. Manda tirar o arroz e o feijão da geladeira, diz que a carne está na tigela azul, – ou seria a verde? – e lembra para fazerem um suco de maracujá, mas com pouco açúcar, viu? Nas sextas-feiras, por volta das 11horas, tem o ritual do peixe: “Tira do congelador e bota no balcão que eu faço quando chegar”. A dedicação como mãe e esposa é tanta que ela faz questão que todos, 42 passageiros e o motorista, escutem suas orientações.


A moça descolada e briguenta. Ela tem tatuagens nos braços, roupas bonitas, sandália boa, celular de última geração, cabelos afro chique, aliás, tudo nela é elegante – menos a cortesia. Olha para os outros, principalmente idosos, com desdém. Outro dia, um casal de velhinhos cruzou o caminho dessa má educada. A senhora sentou primeiro e reservou o lugar ao lado para o marido, que carregava uma caixa aparentemente pesada. A moça se meteu na frente do senhor e tentou sentar no lugar. A idosa, delicadamente, explicou que o assento era para o esposo. Bastou à moderninha receber essa notícia, parecia ter sido mordida por uma cascavel. Sentou em outra cadeira, mas deu uma bronca na senhora como se estivesse falando com uma pariceira: “Não pode guardar lugar, não. A gente vai trabalhar e precisa sentar”.

O argumento, além de mal educado, foi fraco e sem sentido. O casal, entristecido, abaixou a cabeça, envergonhado. Pensei em intervir, mas decidi que era melhor guardar a cena, gravar na memória o rosto bem maquiado da descoladinha e, quem sabe, esperar o dia em que ela tente fazer algo parecido comigo.


O ambulante que fez curso de vendas. Ele oferece três pares de meia por 10, pomada para dor nas pernas, balas de gengibre, amolador de facas, ralador de legumes – o cardápio muda conforme a estação e o humor do mercado. Tem um jeito peculiar de se apresentar: “Eu me chamo Tiago, e estou vendendo este produto para ajudar a pagar meu curso de contabilidade. Mas, quanto custa, Tiago?” Ele mesmo pergunta e responde: “Apenas 10 reais. Na revista da Avon, custa 15”.

Uma chatice.

Por outro lado, os que vendem água, pipoca, coxinha, fone de ouvido, carregador de celular, e não têm bagagem educacional (talvez concluíram o fundamental), muitas vezes são mais autênticos. E, como não posso viajar livre desse comércio, prefiro os que dizem coisas engraçadas – como aquele adolescente que vende pipoca e alega ter oito filhos e uma mulher preguiçosa. Ele relata as dificuldades típicas de uma vida dessas com tanto bom humor que todos riem – mas poucos compram, infelizmente.


Paraquedista de corredor. Ele entra no ônibus como se fosse uma missão de desembarque em território desconhecido. A mochila nas costas é imensa, ocupando todo o espaço entre as fileiras de cadeiras. Ninguém passa. Pedir licença é perda de tempo: ele está fixo ali, completamente alheio, com fones enfiados nas orelhas e os olhos grudados no celular, onde assiste a um show que, de relance, parece ser de música rural cafona ou evangélica. Tanto faz. E o que será que ele carrega nessa mochila enorme? Imagino que tenha um casaco para encarar o ar-condicionado no trabalho e uma roupa completa de ginástica para o fim do expediente. O tênis, ele já usa – é roxo e com solado que lembra pneu de trator. No topo da cabeça, exibe um coque arrumado com precisão de especialista. Já dentro dela, pelo visto, falta o bom e velho simancol e um pouquinho de consideração pelo resto do mundo. Tome tento, homem.

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