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Dia da demissão

Por Elsie Porto



No despertar desse dia cinzento, envolta em minha essência feminina, entendi tão logo acordei que é o dia da minha demissão.


O ar parece pesar sobre meus ombros enquanto me preparo para enfrentar a incerteza que se avizinha. A rotina se desenrola lentamente, como um novelo desfiado em meio à angústia.


Visto-me com cuidado, selecionando peças que expressem minha força e confiança, mesmo que a fragilidade se esconda em meu interior. Escuto a voz suave do rádio, notícias que se misturam ao meu próprio destino. São palavras que ecoam pelos corredores da alma, como uma melodia triste de despedidas.


Passo pelas ruas, observando a cidade em sua rotina frenética. Os rostos anônimos refletem preocupações, medos e esperanças semelhantes aos meus. A cada passo, sinto a brisa acariciar meu rosto, como se quisesse me envolver em um abraço protetor, uma tentativa de aliviar a dor que se avizinha.


Chego ao escritório, onde já não sei se minha presença será duradoura. Máquinas de escrever e teclados digitais ecoam as histórias que ecoam em meu peito. As palavras, antes tão vivas e poderosas, parecem hesitar em saltar das pontas de meus dedos. A incerteza envolve o ambiente, enquanto colegas de trabalho trocam olhares de apreensão.


O ar ganha um sabor amargo, as palavras se tornam emaranhados de despedidas não ditas. As conversas nos corredores tornam-se sussurros carregados de incertezas e temores. O silêncio preenche as lacunas, enquanto olhares cansados se cruzam, compartilhando a solidariedade de quem enfrenta o mesmo destino.


O telefone toca, e o coração salta no peito. É o chamado inevitável, o momento em que minha trajetória se bifurca. A voz do outro lado da linha pronuncia palavras que cortam como lâminas afiadas. A demissão é uma sentença anunciada, um golpe que desestabiliza a estrutura do meu dia.


Enquanto arrumo minhas coisas em uma caixa de papelão, sinto o peso do sonho que se desvanece. Folhas amareladas, anotações rabiscadas e fotografias de momentos que agora parecem distantes enchem a caixa, símbolos de uma jornada interrompida. É como se a minha própria identidade estivesse sendo empacotada, pronta para ser enviada para um destino desconhecido.


A sala vazia, agora despida de minha presença, testemunha o silêncio solene que paira no ar. Os colegas de trabalho, outrora tão próximos, agora compartilham olhares de desamparo, vestígios de uma realidade implacável. Meus passos ecoam pelo corredor, deixando para trás as lembranças e os laços profissionais que foram desfeitos.


Ao atravessar a porta, o mundo lá fora se revela como um vasto horizonte de possibilidades incertas. O sol brilha com indiferença. A rua movimentada, repleta de pessoas apressadas em suas próprias jornadas, parece-me distante e estranha, como se não fizesse parte da minha realidade.


Caminho sem rumo, permitindo que meus pensamentos vaguem pelas encruzilhadas e calçadas. As ruas conhecidas se tornam um labirinto de reflexões, enquanto minha mente se debate entre a desilusão e a esperança. Cada esquina é uma encruzilhada, onde os sonhos são colocados em xeque e as escolhas se tornam imperativas.


O peso da demissão se faz presente em cada passo, mas também a força resiliente que habita meu íntimo. Olho ao redor e percebo que não estou sozinha. Há outros rostos, outras histórias de luta e superação. Em cada semblante, vejo a coragem que se ergue diante da adversidade, a capacidade de reinventar-se e seguir em frente.


Em meio ao turbilhão de emoções, descubro uma nova força dentro de mim. A demissão não é o fim, mas sim um recomeço. É a oportunidade de buscar novos caminhos, explorar novas paixões e redescobrir o verdadeiro propósito que pulsa em meu coração. O mundo está cheio de possibilidades esperando para serem abraçadas.


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